“O ator
tem que nascer em cada ensaio para que o Teatro possa pensar” – diz o mestre
argentino Jorge Eines[1], e
eu concordo com ele, assim como acho que os improvisadores deveríamos começar a
pensar mais quando estamos no palco. Quando improvisamos estamos gerando
acontecimento em convívio com a plateia, isso é incrível e não pode se perder,
aliás é impossível; mas é importante lembrarmos que nós, improvisadores, também
estamos fazendo teatro. E a Impro, assim como a improvisação, também é teatro[2] e
no teatro as coisas não acontecem como na vida real, mas acontecem. De nada
vale a gente se esforçar criando boas histórias, cenas originais e engraçadas,
se no fundo não temos a consciência do que estamos gerando. As pessoas não vão
ao teatro simplesmente como “um plano de sábado na noite”, elas
inconscientemente estão querendo uma transformação, ninguém quer sair do teatro
do mesmo jeito que entrou, é uma realidade antropológica, quase ritualística, o
ser humano precisa do teatro como válvula de escape, para escutar e ver o que
ele quer e não consegue, mas a traves de outra lente, a lente do mundo
ficcional e mentiroso, mesmo que a gente não faça as coisas de mentira. O ator
improvisador também não pode sair do teatro igual a como entrou, porque ele
independentemente das suas ideias, está sendo político só pelo fato de estar
fazendo teatro, ele deve acreditar no que está fazendo, se transformar junto
com a plateia, não podemos pretender transformar ninguém se nós mesmos não nos
transformamos.
"Passageiros" Teatro de
Improvisação. Brasil. 2013
Existem três tipos de espaços no acontecimento teatral:
O espaço teatral: ele faz referência ao lugar onde se representa a peça improvisada. É o
teatro como tal, o local do encontro entre a plateia e o elenco (atoes,
diretor, iluminador, técnica, etc.)
O espaço cénico: é o lugar onde acontecem as ações. Quase sempre está definido pelo
cenário, seja este físico ou imaginário. É nele que a história se desenvolve.
Pode mudar com as diferentes cenas ou quadros que compõem a improvisação.
O espaço dramático: é o lugar interior da ação. Não tem a ver com o local físico e sim
com a ação dramática e a interpretação do ator improvisador. Assim por exemplo
se o espaço teatral é o Teatro Municipal, e o espaço cénico é uma cozinha, o
espaço dramático estará relacionado com o que está acontecendo na cozinha e
muito especialmente no como está acontecendo. Alias a cozinha então virará o
espaço do perdão, da traição, do planejamento, do medo, da comemoração, etc.
O improvisador normalmente fica no espaço teatral e às vezes consegue
entrar bem no espaço cénico. Isto devido a sua relação direta com a plateia, já
que quase sempre o ritmo da peça depende da reação do público, o que eu acho
ótimo. Mas o convite é para que o improvisador, mesmo mantendo esta relação no
convívio, entre cada vez mais no espaço dramático como normalmente faz o ator
que tem tempo de estudar seu personagem, seus textos e ensaiar suas intenções.
E muito difícil nós improvisadores mantermos a conexão com o público e ao mesmo
tempo acreditar no que está acontecendo no espaço dramático, mas não é
impossível, e quanto mais mergulharmos ali, a resposta da plateia estará
carregada não só de risos, como também de diferentes sensações que mexerão em
todos os que fazem parte do encontro. E é justamente isso do que estamos
falando, de transformação.
Nessa busca por sermos verdadeiros e acreditarmos no que estamos
fazendo, nós improvisadores cometemos certos erros que valem a pena ser vistos
com cuidado. O principal deles é o naturalismo como única saída da
história. Não sou eu quem fala que no teatro as coisas não acontecem como
na vida real, desde sempre o teatro existe para criar outra realidade, não
adianta fazer no palco o que já fazemos na vida, a televisão já faz isso bem
melhor do que a gente. Agora, é natural ser naturalistas, nosso corpo e nossa
mente no momento de improvisar procuram no lugar conhecido, no espaço comum das
lembranças, da nossa educação, das regras sociais que rijem a gente. Mas as
melhores improvisações, independentemente do formato de Impro, são aquelas que
tiram a gente do lugar de conforto. É por isso que os treinamentos e os ensaios
são tão importantes, porque neles a gente pode procurar esses outros lugares,
porque é ali que o ator tem que nascer para que o teatro possa pensar. Os
ensaios estão feitos para errar, para trabalhar justamente o que nunca
trabalhamos na cotidianidade.
Outro erro comum surge justamente neste ponto (mesmo que na Impro não
exista o erro[3]) pensar o ensaio como espaço cênico e não como espaço de
pesquisa. Como a gente trabalha com a improvisação, a
sala de treinamento tende a virar o espaço da apresentação sem plateia, o que
faz muitos grupos pensarem sempre no resultado e não no processo. Como bem
disse o improvisador brasileiro Guilherme Tomé na abertura do espetáculo
Improvável: - “A gente não sabe o que vai fazer, mas a gente sabe muito bem o
que está fazendo”- e para saber o que estamos fazendo temos que estudar,
treinar e ensaiar. Não pretendamos que todo o que fazemos no ensaio seja
cénico. Demos um foco ao treino e mergulhemos nele.
Embora nada disso é uma
verdade, é só um olhar sobre o teatro de improvisação, inspirado nas
ferramentas do ator do teatro de texto, só porque repito, a Impro é teatro e no
teatro as coisas não acontecem como na vida real. Por isso, se você é improvisador e quer sair do lugar comum, tente
experimentar estes conselhos simples e vai ver como as coisas começarão a mudar
nas cenas, sejam de jogos curtos o de formatos longos de Impro.
Procure trabalhar baseando-se em minimizar
importância das coisas que normalmente tem muita importância e colocar
importância nas coisas que normalmente não tem importância.
Não faça sempre a primeira coisa que venha à
sua cabeça, às vezes é melhor o segundo, o terceiro ou quem sabe, a décima
ideia que aparecer. Lembre-se que você não só é ator e improvisador no palco,
você também é diretor e dramaturgo da cena. Então as suas escolhas no espaço
dramático vão inevitavelmente interferir no espaço cênico e teatral.
Fugir do naturalismo não é tentar ser
original, Não procure boas historias, vá no fluxo verdadeiro da ação, acredite,
confie e se arrisque com as suas propostas e especialmente com as propostas dos
outros, pense que elas sempre serão melhor que as suas.
Procure silêncios, tome decisões seguindo o
raciocínio do seu personagem e não imponha a sua proposta, jogue-a para que os
outros também trabalhem sobre ela.
Não faça escolhas nem tome decisões só pela
ideia que tem na sua cabeça, e sim pelo que está acontecendo na ação com os
outros, não esqueça que improvisar é como escrever um texto com muitas mãos.
Quando for tomar uma decisão ou fizer uma
proposta, não pense ela sob o seu raciocínio, não diga: - “Eu faria isto o
aquilo”- pense sim como pensaria seu personagem e não esqueça o que é melhor
para a cena aqui e agora.
Faça e
depois sinta, não fique somente na sensação como também não fique somente na
literalidade. O improvisador trabalha numa linha tênue entre os três espaços e
sua função está em nunca ultrapassar nenhum deles como também não ficar só num
deles.
Não subestime o público, não explique tudo,
mesmo que você também não entenda o que está acontecendo, se deixe afeitar pela
situação dramática e não sempre pela história. É melhor uma cena bem
interpretada do que simplesmente uma história bem contada.
[1] Tomado
do artigo “Poder Pensar” (http://blog.jorge-eines.com/2013/05/11/poder-pensar/) do
Jorge Eines. Fundador e diretor de “Ensayo 100 Teatro” e de “Tejido Abierto
Teatro” na Espanha. Professor e diretor da escola de interpretação “Jorge
Eines”. Também é teórico e catedrático da técnica interpretativa.
[2] Chamamos
de Impro à improvisação como resultado cénico e não como processo de criação do
ator.
[3] Não
tem erro. É uma das reglas básicas da Impro. Mas ela faz referencia às
propostas dos personagens em procura de uma aceitação que ajude ao normal
desenvolvimento da cena improvisada.