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miércoles, 17 de julio de 2013

NO TEATRO AS COISAS NÃO ACONTECEM COMO NA VIDA REAL

“O ator tem que nascer em cada ensaio para que o Teatro possa pensar” – diz o mestre argentino Jorge Eines[1], e eu concordo com ele, assim como acho que os improvisadores deveríamos começar a pensar mais quando estamos no palco. Quando improvisamos estamos gerando acontecimento em convívio com a plateia, isso é incrível e não pode se perder, aliás é impossível; mas é importante lembrarmos que nós, improvisadores, também estamos fazendo teatro. E a Impro, assim como a improvisação, também é teatro[2] e no teatro as coisas não acontecem como na vida real, mas acontecem. De nada vale a gente se esforçar criando boas histórias, cenas originais e engraçadas, se no fundo não temos a consciência do que estamos gerando. As pessoas não vão ao teatro simplesmente como “um plano de sábado na noite”, elas inconscientemente estão querendo uma transformação, ninguém quer sair do teatro do mesmo jeito que entrou, é uma realidade antropológica, quase ritualística, o ser humano precisa do teatro como válvula de escape, para escutar e ver o que ele quer e não consegue, mas a traves de outra lente, a lente do mundo ficcional e mentiroso, mesmo que a gente não faça as coisas de mentira. O ator improvisador também não pode sair do teatro igual a como entrou, porque ele independentemente das suas ideias, está sendo político só pelo fato de estar fazendo teatro, ele deve acreditar no que está fazendo, se transformar junto com a plateia, não podemos pretender transformar ninguém se nós mesmos não nos transformamos.

                                  
                                                                                "Passageiros" Teatro de Improvisação. Brasil. 2013                       

Existem três tipos de espaços no acontecimento teatral:

O espaço teatral: ele faz referência ao lugar onde se representa a peça improvisada. É o teatro como tal, o local do encontro entre a plateia e o elenco (atoes, diretor, iluminador, técnica, etc.)

O espaço cénico: é o lugar onde acontecem as ações. Quase sempre está definido pelo cenário, seja este físico ou imaginário. É nele que a história se desenvolve. Pode mudar com as diferentes cenas ou quadros que compõem a improvisação.

O espaço dramático: é o lugar interior da ação. Não tem a ver com o local físico e sim com a ação dramática e a interpretação do ator improvisador. Assim por exemplo se o espaço teatral é o Teatro Municipal, e o espaço cénico é uma cozinha, o espaço dramático estará relacionado com o que está acontecendo na cozinha e muito especialmente no como está acontecendo. Alias a cozinha então virará o espaço do perdão, da traição, do planejamento, do medo, da comemoração, etc.

O improvisador normalmente fica no espaço teatral e às vezes consegue entrar bem no espaço cénico. Isto devido a sua relação direta com a plateia, já que quase sempre o ritmo da peça depende da reação do público, o que eu acho ótimo. Mas o convite é para que o improvisador, mesmo mantendo esta relação no convívio, entre cada vez mais no espaço dramático como normalmente faz o ator que tem tempo de estudar seu personagem, seus textos e ensaiar suas intenções. E muito difícil nós improvisadores mantermos a conexão com o público e ao mesmo tempo acreditar no que está acontecendo no espaço dramático, mas não é impossível, e quanto mais mergulharmos ali, a resposta da plateia estará carregada não só de risos, como também de diferentes sensações que mexerão em todos os que fazem parte do encontro. E é justamente isso do que estamos falando, de transformação. 

Nessa busca por sermos verdadeiros e acreditarmos no que estamos fazendo, nós improvisadores cometemos certos erros que valem a pena ser vistos com cuidado. O principal deles é o naturalismo como única saída da história. Não sou eu quem fala que no teatro as coisas não acontecem como na vida real, desde sempre o teatro existe para criar outra realidade, não adianta fazer no palco o que já fazemos na vida, a televisão já faz isso bem melhor do que a gente. Agora, é natural ser naturalistas, nosso corpo e nossa mente no momento de improvisar procuram no lugar conhecido, no espaço comum das lembranças, da nossa educação, das regras sociais que rijem a gente. Mas as melhores improvisações, independentemente do formato de Impro, são aquelas que tiram a gente do lugar de conforto. É por isso que os treinamentos e os ensaios são tão importantes, porque neles a gente pode procurar esses outros lugares, porque é ali que o ator tem que nascer para que o teatro possa pensar. Os ensaios estão feitos para errar, para trabalhar justamente o que nunca trabalhamos na cotidianidade.

Outro erro comum surge justamente neste ponto (mesmo que na Impro não exista o erro[3]pensar o ensaio como espaço cênico e não como espaço de pesquisa. Como a gente trabalha com a improvisação, a sala de treinamento tende a virar o espaço da apresentação sem plateia, o que faz muitos grupos pensarem sempre no resultado e não no processo. Como bem disse o improvisador brasileiro Guilherme Tomé na abertura do espetáculo Improvável: - “A gente não sabe o que vai fazer, mas a gente sabe muito bem o que está fazendo”- e para saber o que estamos fazendo temos que estudar, treinar e ensaiar. Não pretendamos que todo o que fazemos no ensaio seja cénico. Demos um foco ao treino e mergulhemos nele.

Embora nada disso é uma verdade, é só um olhar sobre o teatro de improvisação, inspirado nas ferramentas do ator do teatro de texto, só porque repito, a Impro é teatro e no teatro as coisas não acontecem como na vida real. Por isso, se você é improvisador e quer sair do lugar comum, tente experimentar estes conselhos simples e vai ver como as coisas começarão a mudar nas cenas, sejam de jogos curtos o de formatos longos de Impro.

Procure trabalhar baseando-se em minimizar importância das coisas que normalmente tem muita importância e colocar importância nas coisas que normalmente não tem importância.

Não faça sempre a primeira coisa que venha à sua cabeça, às vezes é melhor o segundo, o terceiro ou quem sabe, a décima ideia que aparecer. Lembre-se que você não só é ator e improvisador no palco, você também é diretor e dramaturgo da cena. Então as suas escolhas no espaço dramático vão inevitavelmente interferir no espaço cênico e teatral.

Fugir do naturalismo não é tentar ser original, Não procure boas historias, vá no fluxo verdadeiro da ação, acredite, confie e se arrisque com as suas propostas e especialmente com as propostas dos outros, pense que elas sempre serão melhor que as suas.

Procure silêncios, tome decisões seguindo o raciocínio do seu personagem e não imponha a sua proposta, jogue-a para que os outros também trabalhem sobre ela.

Não faça escolhas nem tome decisões só pela ideia que tem na sua cabeça, e sim pelo que está acontecendo na ação com os outros, não esqueça que improvisar é como escrever um texto com muitas mãos.

Quando for tomar uma decisão ou fizer uma proposta, não pense ela sob o seu raciocínio, não diga: - “Eu faria isto o aquilo”- pense sim como pensaria seu personagem e não esqueça o que é melhor para a cena aqui e agora.

Faça e depois sinta, não fique somente na sensação como também não fique somente na literalidade. O improvisador trabalha numa linha tênue entre os três espaços e sua função está em nunca ultrapassar nenhum deles como também não ficar só num deles.

Não subestime o público, não explique tudo, mesmo que você também não entenda o que está acontecendo, se deixe afeitar pela situação dramática e não sempre pela história. É melhor uma cena bem interpretada do que simplesmente uma história bem contada.



[1] Tomado do artigo “Poder Pensar” (http://blog.jorge-eines.com/2013/05/11/poder-pensar/) do Jorge Eines. Fundador e diretor de “Ensayo 100 Teatro” e de “Tejido Abierto Teatro” na Espanha. Professor e diretor da escola de interpretação “Jorge Eines”. Também é teórico e catedrático da técnica interpretativa.

[2] Chamamos de Impro à improvisação como resultado cénico e não como processo de criação do ator.

[3] Não tem erro. É uma das reglas básicas da Impro. Mas ela faz referencia às propostas dos personagens em procura de uma aceitação que ajude ao normal desenvolvimento da cena improvisada.