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martes, 24 de enero de 2017

UMA OBRA DE TEATRO

Essa é uma cena de uma peça que é muito importante para mim, foi o resultado de dois anos de estúdio no mestrado em dramaturgia e direção que fiz na Colômbia justo antes de vir morar no Brasil. Graças a ela eu recebi uma menção honrosa por parte do juri da universidade de Antioquia. Ela é uma peça de dramaturgia compartilhada, que combina cenas de autor com algumas cenas livres que tem uns protocolos para que os atores improvisem a partir de sugestões dadas pela plateia. 
A continuação uma cena do primeiro ato, uma pequena amostra da peça:
CENA
Cordero: chegaram. “O rato roeu a roupa do rei de Roma e a rainha raivosa rasgou o resto. ” (Abre. Entram Reinaldo I e sua esposa Priscila) Prefeito, que prazer ter o senhor aqui. Priscila, você está linda demais. Por favor entrem, están em su casa.
Priscila: “muchas gracias general”
Reinaldo I: major
Cordero: seu espanhol está perfeito
Priscila: claro que não, seu português que está. Vejo que “le faltam pantalones Cordeiro”
Cordero: mas que vergonha
Priscila: quase, quase consigo enxergar seu pênis, general
Reinaldo I: major
Cordero: me desculpem por favor, podem se sentar, eu já volto (Sai)
Reinaldo I: que falta de respeito receber a gente de roupa íntima
Priscila: eu achei engraçado
Reinaldo I: definitivamente eu não gosto desses eventos sociais
Priscila: esse não é um evento social, e é melhor que comecemos a procurar essa mala, aproveitemos que nos deixou sozinhos (Começa a procurar). Que tamanho tem?
Reinaldo I: não faço ideia, nunca vi. Também não deve estar aqui, tal vez esteja escondida nalgum dos quartos de cima
Priscila: nada perdemos buscando. Que decoração mais simples, aqui falta um toque feminino
Reinaldo I: eu sempre gostei desta casa
Priscila: tinha melhor gosto o outro Cordeiro. Onde pode ter escondida essa mala?
Reinaldo I: bem oculta, ele sabia que muita gente está atrás dela
Priscila: ainda não entendo por que o colombiano não sabe nada
Reinaldo I: eles não tinham uma boa relação
Priscila: muito esquisito Paulo César acabar morto desse jeito.  Você não acha muita casualidade ir e morrer nesse pais terce mundista? O que ele estava fazendo lá? Ninguém inteligente iria para Colômbia, a não ser que seja para tomar um café... numa escala no aeroporto indo para Miami (Ela ri)
Reinaldo I: deixe tudo como está, não é bom levantar suspeitas
Priscila: um tiro na cabeça, e longe do seu país. Não será que foi assassinado pelo irmão? Tal vez este Cordeiro no fundo sabe da mala
Reinaldo I: este Cordeiro é um idiota, está falido, se soubesse da mala não teria nos convidado aqui hoje
Priscila:  falidos e cheios de dinheiro que não sabem que têm. (Pega alguma coisa) olha que negócio brega, deve ser de lá
Reinaldo I: deixa isso ali
Priscila:  você viu como ele coça o cu?
Reinaldo I: é de família, mas Paulo César sabia disimular, nunca se coçava na frente das pessoas
Priscila: este outro se coça muito, por pouco e faz um exame de próstata na nossa frente (Ela ri)
Reinaldo I: isso foi o que o fez sair do exército. E como não reconheceram a doença, ficou sem aposentadoria
Priscila:  não acredito
Reinaldo I:  por isso precisamos achar essa mala primeiro que eles
Priscila: deve estar muito bem escondida, já que esses dois patetas não a encontraram ainda... aliás, que chatice ter que ser simpática com a colombiana essa. Como é que se chama?
Reinaldo I: Raimunda
Priscila: que nome horroroso (Entra Raimunda) Raimunda, quanto prazer
Raimunda: olá, Priscila. Como você está linda…
Priscila: a gente estava falando de você
Raimunda: que você fez no cabelo? ...
Priscila: um tratamento que minha filha trouxe de Paris, você sabe que lá é o paraíso dos tratamentos capilares
Raimunda: eu? Nenhuma cirurgia, tudo natural. O segredo é lavar o rosto antes de dormir com bastante sabão e depois passar um creme hidratante que só se consegue na Colômbia, mas eu posso mandar trazer para você
Priscila: nossa, que gentil, muito obrigada
Raimunda: você sempre tão feminina, né?
Reinaldo I: Raimunda, você está preciosa
Raimunda: Reinaldo I. Como você está? Ou devo chama-lo de prefeito?
Reinaldo I: como você quiser. Você está “mucho bonita”
Raimunda: seu espanhol está prefeito
Reinaldo I: claro que não, seu português que está
Raimunda: você acha?
Reinaldo I: lógico, uma linda colombiana falando um português “prefeito” (Todo mundo ri)
Priscila: seguramente é por usar esse sabão e esse creme milagrosos (Todo mundo ri)
Raimunda: embora acho que não são da mesma marca do seu tratamento Priscila (Todo mundo ri).
Priscila: claro que não, os seus são produtos colombianos (Faz piada com cocaína. Todos riem. Entra Cordero vestido de militar)
Cordero: de que piada me perdi?
Raimunda: nenhuma, o humor natural e espontâneo dos nossos incríveis convidados (Ri sozinha)
Cordero: que prazer tê-los na nossa casa
Priscila: eu gostava mais como estava antes
Raimunda: a gente fez algumas mudanças
Cordero: mas basicamente é a mesma casa do meu irmão
Priscila: estou falando de você, gostava mais como estava antes, sem roupa
Cordero: que vergonha, nem sei como aconteceu, deve ter sido… (Batem na porta). Me desculpem, vou abrir a porta “Gato escondido com rabo de fora
tá mais escondido que rabo escondido com gato de fora. ” (Abre) conseguiu?
Priscila: esse deve ser seu filho. Oi!
Cordero: diz oi para eles.
Filho: e aí, beleza?
Raimunda: que jeito é esse de falar!
Reinaldo I: parece muito com seu tio
Filho: eu?
Priscila: olha só, é todo um homem… deve ter o pênis enorme. Posso ver?
Filho: não
Priscila: que fofo, todo tímido, eu já te vi pelado, quando você era uma criança. Quando foi isso mesmo?
Reinaldo I: numa foto que Cordeiro nos mostrou um dia num funeral
Priscila: ah, pode crer. Você está certo Rei, ele é igualzinho ao tio. É o mesmo rosto
Filho: pode ser que me falta maquiagem
Cordero: olha só, você trouxe uma cachaça boa, como as que o prefeito tanto gosta! Como sabia?
Filho: você me mandou comprar
Cordero: quantas garrafas você trouxe?
Filho: uma
Cordero: serve um pouco para a gente então
Reinaldo I: não, eu não estou tomando cachaça. Estou tendo umas arritmias cardíacas terríveis
Priscila: é o estresse pelo processo de contratação daquela avenida, sabem?
Raimunda: injusto né
Priscila: é, aqui já ninguém mais pode dar trabalho para família porque vira um delito
Raimunda: esta cidade está de pernas para o ar
Reinaldo I: como assim?
Filho: onde está Henry?
Cordero: Filho, por favor
Raimunda: hoje roubaram o carro de Filho
Priscila: o carro?
Filho: só levaram os espelhos
Raimunda: quase matam ele
Filho: não aconteceu nada
Priscila: não acredito!
Cordero: então não vai beber nada, prefeito?
Reinaldo I: uísque
Cordero: Filho vai comprar uma garrafa de uísque para o prefeito
Filho: não tenho mais dinheiro
Reinaldo I: precisa de grana?
Priscila: porque Rei sempre carrega um pouquinho dos seus impostos (Todos riem menos Filho)
Cordero: você tem dinheiro, meu amor?
Raimunda: tenho?
Cordero: dá então para Filho comprar uma garrafa de uísque que a nossa infelizmente acabou
Raimunda: é lógico, Filho venha, me acompanhe (Raimunda se afasta com Filho, os vemos resolver o assunto, mas não os escutamos. Voltam)
Filho: e depois falam que isto não é uma mentira.  Se preparem, porque logo logo vem um acontecimento forte
Priscila: do que você está falando?
Reinaldo I: uma manifestação?
Priscila: intervenção militar!
Filho: estou falando desta peça
Raimunda: sai daqui Filho, agora
Cordero: não esqueça o uísque
Filho: posso ir com Henry?
Raimunda: não
Cordero: e não demore que a gente já vai servir a comida (Filho sai)
Reinaldo I: quem é Henry?
Cordero: a mascote da minha mulher
Raimunda: é um bailarino precioso que recuperamos de um massacre paramilitar, uma história terrível, mas ele é um fofo
Priscila: cadê?
Raimunda: deve estar por aí, quer dar um passeio pela casa? Aí você conhece ele

Priscila: adoraria, estava comentando com Rei que amei a decoração (Saem. Silêncio incómodo)

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